segunda-feira, julho 17, 2006

O estado alterado das coisas

















Exposição Galeria Novo Século, 2003

O mundo está cheio de coisas. As coisas estão agarradas às nossas vidas. Por todo o lado que andemos, que olhemos ou mesmo quando as esquecemos que existem, as coisas estão lá. As coisas são uma presença constante nas nossas vidas porém, se não existissem, era mais difícil arranjarmos referências para a nossa existência material. Estando as coisas directamente ligadas à utilização objectiva do nosso corpo, também as usamos para subjectivar os vários universos que vamos inventando à nossa volta. Elas são-nos úteis enquanto objectos de uso e nós, para além de termos o poder de as destituir da sua forma, também as criamos.

Aproximando a nossa visão à utilização que damos às coisas, sentimos que elas nos pertencem. Damos-lhe um nome, um sentido, criamos afinidades com as suas formas, personalizamos o seu desempenho e usamo-las na sua função. Somos uns verdadeiros coleccionadores de coisas. Andamos com coisas nos bolsos, temos a casa cheia de coisas, temos o hábito de perder coisas e também compramos coisas para guardar coisas.

Cada coisa tem a sua função e essa é inalterável. Eramos loucos se escrevêssemos com um copo, bebêssemos água por um sapato, conduzissemos um prato ou vivessemos numa torradeira. Todas as coisas estão instituídas num propósito e, nesse aspecto, todos estamos programados para as usarmos da mesma maneira. As coisas estão presas à sua função e jamais serão outras coisas, a não ser que seja essa a nossa vontade.

A vontade de prevertermos a direcção das coisas dentro de si próprias é-nos facultado pelo poder da criação e do nosso imaginário. Chamarmos outra coisa áquela coisa, não será destruír a sua proposta como objecto original, mas questionar alternativas possíveis ao espaço fisico que poderá ocupar numa outra função. Será que as coisas têm que ser as coisas que nós queremos que elas sejam? Talvez as coisas se tornassem mais interessantes se lhes atribuíssemos outras identidades que não aquelas que já lhes conhecemos.

Conhecermos as coisas na sua origem elementar, põe-nos em contacto com a matéria e a sua composição. As coisas são as coisas que o homem quer que elas sejam porque as manipula, dá-lhes nomes e funções. As tomadas de consciência que surgem através do entendimento das coisas tal como as conhecemos, quer na sua essência, quer na sua existência como coisas, ajudam-nos a trabalhar o seu aspecto formal dentro dos limites do conhecimento que temos acerca das suas partes.

Se alterássemos a verdade das coisas e lhes criássemos um novo estatuto dentro de uma realidade que não fosse a da própria coisa e lhes dessemos um rumo e um uso diferente ao invés da sua função original, talvez a sua composição derivasse na alteração matérica dos elementos que a compusessem. Talvez o tempo de vida das coisas se transformasse num outro tempo de duração, que não fosse aquele para o qual elas caminham dentro dos seus próprios limites.

A capacidade que temos de adaptar as coisas às nossas necessidades, dá-nos a liberdade de escolher pontos de equilíbrio entre o que estéticamente nos seduz através do mundo que nos rodeia e a imaginação que podemos usar para alterar os valores estéticos de umas, para outras coisas que nos poderão ser mais úteis.


Rogerio Silva
Agosto 2003